“Radio La Colifata,
transmitiendo del hospital psiquiátrico Borda.
Hoy les quiero contar
una historia...” [1]
Ser
vaca no ”Río de La Plata” não é fácil.
O
dia todo é grama, grama, soneca, ordenha,
grama, grama, noite. De domingo a
sexta sua vida transcorre igual: chata, vácua e triste como o olhar duma vaca
no horizonte.
Pior
ainda se você é uma vaca tão pretensiosa quanto Sheila.
Filha
de mãe uruguaia e pai alemão, ganhou os mais importantes concursos do setor
agro sem fazer nada, só sendo vaca. Mas mesmo assim não se acostumava com essa
vida.
Com
a cabeça cheia de fumaça, um tanto confusa e sem saber que era dona de um
paraíso inigualável, um dia se cansou e fugiu.
Nem
se importou com ninguém. Procurou a sua
babá Lindaura como cúmplice e juntas empreenderam viagem no vaca-móvel que nada
tinha a invejar ao papa-móvel de João Paulo II.
Cheias
de ideais e sonhos, partiram até a cidade onde imaginavam suas vidas mudariam
para sempre: Buenos Aires. Meca do desenho de vanguarda, uma imensa oferta
cultural e gastronômica, nada poderia sair mal. Quanto mais sucesso e prazer podia acontecer?
Rapidamente
começaram a ser reconhecidas na paisagem “porteña”.
A
vaca e sua “personal shopper” eram vistas todas as tardes borboleteando por
Palermo Soho, San Telmo, Las Cañitas e tudo quanto novo canto “fashonista” que aparecia no seu horizonte de vaca.
Até
participou do reality show “A Vida da Vaca Sheila”. Foram alguns meses de
sucesso viral, novos amigos e muito dinheiro. Até que numa manhã tudo isso
sumiu.
E
agora como continuar sem amigos, sem dinheiro e sem fama?
E
as multas, promissórias e dívidas começaram a cair uma detrás da outra.
Foi
duro, mas por sorte a Lindaura estava ali.
L:
_ Será que éramos a coqueluche e agora a temos? Ninguém se importa com a gente.
O único consolo são as liquidações de inverno, pensou...
V:
_ Lindaura, vamos pra lá tem 50%.
V:
_ Lindaura,
venha pra cá tem 30%.
Mas
chegou a primavera e com ela sumiram também os descontos imperdíveis.
V:
_ Lindaura, vamos!
_
Lindaura! Cadê você?
Cansada
de empurrar o vaca-móvel e chateada por ser pobre, a Lindaura retornou
covardemente para o campo.
V: Cadela maldita! Cuspiu nas próprias úberes
que a alimentaram! Não acredito...
Nossa! E agora?
Nesse
instante, tal qual uma carpideira, começou o choro mais longo que tinha feito
em sua vida.
Nem
no pior dos seus pesadelos imaginou o que estava acontecendo. Até Lindaura foi
embora. Agora sim estava frente a frente com
a solidão, que chegou quase tão rápido como o efêmero sucesso, só que
para sua companhia eterna.
Novamente,
mas sem estar ciente, virou um personagem urbano.
O
pessoal gritava: _ Olha só a Vaca Colifata. A “ex-fashionista” virou maluca!
E
assim passava as tardes parada no seu antigo vaca-móvel recebendo esmolas e
engolindo o choro.
Algumas
tardes, empolgada diante das vitrines, viajava em sua mente e imaginava ainda
que sua vida duns meses atrás era certa, até que alguma velha maroca a acordava
com seu sorriso maldoso.
Finalmente
teve sorte demais. Um flanelinha se apiedou dela e a tirou da rua.
O
Hospital Borda será sua nova casa.
Ali
foi onde conseguiu chegar ao destino inicial de sua viagem, por um viés não
esperado, mas chegou ao sucesso verdadeiro.
Virou
a nova estrela da Rádio “La Colifata”*
Todas
as tardes com seu olhar saudoso se erguia em frente dum microfone e cativava a milhares de
pessoas que ficavam paralisadas para escutá-la cantar.
Parabéns
Sheila... desculpa, Colifata, você conseguiu!
10:15AM, putz! dormi de novo e minha Irmã está
aguardando do outro lado da praça.
10:30AM. Desço rápido do apartamento, bato rápido as
mãos para que ela me veja de longe.
Beijos, abraços e no meio de brigadinhas de Irmãs
viramos rápido a esquina e grito: Nossa!
é a vaca Sheila parada justo no cantinho da esquina.
Irmã : O que? Isso é um caminhão de concretagem.
Qualquer pessoa que não seja arquiteta
sabe isso. Você está maluca?
-FIM-
[1] “La Colifata”:
[1]Em lunfardo, dialeto de Buenos Aires que significa
“louco” dito com afeto e respeito. “Louco adorável”
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